Reajuste autorizado pelo TJPI altera valores de escrituras e registros; especialistas apontam desigualdade e riscos à economia
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Foto: Renato Andrade/Cidadeverde.com |
As taxas cobradas pelos cartórios no Piauí sofreram reajustes expressivos em 2025, com aumentos que variam entre 100% e 600%, a depender do tipo de serviço e do valor do imóvel. O reajuste foi autorizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI) e já está em vigor, impactando principalmente escrituras públicas, registros de imóveis e de títulos.
O aumento mais significativo se aplica a transações de imóveis de alto e altíssimo padrão, mas a medida tem causado reações em diversos setores da sociedade, especialmente por afetar também imóveis de valor médio. Segundo críticas do setor imobiliário, o impacto atinge de forma mais pesada a classe média e os beneficiários de programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida.
A engenheira Natássia Sales apontou distorções na nova tabela. “Analisando essa tabela, a gente percebe que os imóveis de valores médios a mais baixos são mais onerados. Imóveis que custam R$ 50 milhões pagam apenas 0,06% do seu valor na hora do registro do documento. Já um imóvel de R$ 350 mil paga 2,4%. É algo desproporcional e que onera muito mais as classes mais baixas e as classes médias", criticou.
O advogado Allan Cavalcante, especialista em direito imobiliário, também vê o reajuste com preocupação. “Quem já estava com o processo de transferência em andamento pode ser surpreendido com valores muito acima do previsto. Isso vale tanto para pessoas físicas quanto para empresas que atuam no setor com frequência. Cumpre observar que esse aumento foi aprovado ainda em 2024 e começou a valer agora", alertou.
Impacto social e econômico
O presidente do Creci-PI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Piauí), Pedro Lima, alertou que o reajuste pode dificultar o acesso à moradia, especialmente para a população de baixa renda. Ele destacou ainda os efeitos negativos para a economia local.
“O impacto vai ser não só na dificuldade de acesso à moradia da população de baixa renda, principalmente, mas na geração de emprego e renda. A construção civil e o mercado imobiliário representam boa parte do PIB do estado. A retração que vai acontecer dentro do mercado imobiliário, devido a essas taxas e emolumentos, vai impactar negativamente com toda a certeza”, afirmou Pedro Lima.
Ele defendeu a abertura de diálogo com o TJPI:
“O próximo passo é a gente tentar sensibilizar também o poder público, o Tribunal de Justiça, para que reúna [as partes]. A gente sabe que os reajustes podem sim acontecer, podem ser debatidos, mas que se chegue a um consenso — um preço justo para quem está pagando pelo serviço, como para quem está ofertando, que são os cartórios", completou.
O que diz o Tribunal de Justiça
Em nota, o TJPI explicou que o reajuste foi resultado de estudos realizados por um grupo técnico criado por meio da Portaria Conjunta N° 18/2023. Segundo o tribunal, o objetivo foi corrigir distorções históricas nas bases de cálculo dos emolumentos e alinhar os valores à média praticada por tribunais de pequeno porte em outros estados.
O tribunal ressaltou que:
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Não houve reajuste para as faixas destinadas à população de baixa renda;
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Imóveis de até R$ 54.600, que representam a maioria dos negócios no interior, não tiveram aumento;
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O reajuste de 600% aplica-se a imóveis a partir de R$ 50 milhões, onde o valor passou de R$ 5 mil para R$ 31 mil;
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Foi implantado um sistema de escalonamento por faixas de valor, com aumentos significativos a partir de R$ 800 mil;
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Os novos valores seguem a média dos tribunais de pequeno porte, com base em levantamento nacional.
Ainda segundo o TJPI, o projeto teve participação da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Piauí (Anoreg-PI) e buscou garantir justiça fiscal e sustentabilidade dos serviços notariais.
A polêmica, contudo, deve continuar gerando debate entre os representantes do setor imobiliário, operadores do direito e o próprio judiciário. A expectativa é que, diante da repercussão, o tema volte à mesa de negociação nos próximos meses.
Fonte: Cidade Verde