Falta de caminhões e infraestrutura precária dificultam transporte e pressionam preços
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Fila de caminhões para atravessar parte alagada da estrada BR-364, devido à cheia do rio Madeira, em Porto Velho (RO) - Avener Prado 20.mar.2014/Folhapress |
As medidas adotadas pelo governo para tentar conter a inflação dos alimentos, como a isenção de impostos sobre importação, estão sendo impactadas por gargalos estruturais no transporte de cargas no Brasil. A escassez de caminhões, impulsionada pela colheita recorde de soja e pelo aumento do preço do diesel, tem encarecido o frete e afetado o escoamento de outras produções agrícolas.
A demanda pelo transporte da safra de soja tem monopolizado os caminhões disponíveis, prejudicando a logística de outros produtos, como o milho. A transportadora Padrão Transportes de Cargas e Logística, por exemplo, precisou suspender a entrega de 500 toneladas de milho para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) por falta de veículos e pelo alto custo do frete.
Frete sobe até 40% e filas de caminhões se multiplicam
A colheita acelerada da soja em estados como Mato Grosso já atingiu mais de dois terços da produção, criando filas quilométricas de caminhões nos principais pontos de transbordo, como Rondonópolis (MT) e Itaituba (PA). Com o aumento do diesel, que impacta diretamente o custo do transporte, o frete subiu entre 30% e 40% em comparação com o ano passado.
Além disso, a precariedade da infraestrutura de armazenagem agrava a situação. Segundo Paulo Bertolini, presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), apenas 15% das propriedades brasileiras possuem silos de armazenamento, enquanto nos Estados Unidos esse índice supera os 50%. Isso faz com que os caminhões sejam usados como "armazéns sobre rodas", aumentando os custos e atrasos na entrega.
"Com mais estruturas de armazenamento no campo, os produtores poderiam gerenciar melhor os estoques e evitar essa corrida pelo transporte. Mas, sem isso, os caminhões acabam sendo a única opção", afirma Bertolini.
Caminhoneiros evitam viagens longas e déficit de profissionais preocupa setor
Outro fator que agrava a crise logística é a falta de motoristas. Uma pesquisa da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) revelou que 93% das transportadoras enfrentam dificuldades para contratar profissionais. O envelhecimento da categoria e a falta de segurança nas estradas afastam novos trabalhadores do setor.
Além disso, os caminhoneiros têm preferido trajetos mais curtos, de até 300 km, para evitar longas esperas nas estações de transbordo, o que reduz ainda mais a oferta de transporte para cargas de longa distância.
"O motorista parado não ganha nada. Enquanto isso, empresas usam os caminhões como armazéns por falta de estrutura. É uma situação insustentável", critica Wallace Landim, diretor da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores).
Infraestrutura defasada compromete soluções do governo
Especialistas alertam que medidas paliativas, como cortes de impostos sobre importação de alimentos, não resolvem o problema estrutural do transporte no Brasil. Daniel Furlan Amaral, da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), destaca a necessidade de investimentos em modais alternativos, como hidrovias e ferrovias.
"Países como China e Estados Unidos investiram em transporte de longo curso para escoar suas produções. Aqui, no ano passado, a participação das ferrovias caiu. Sem uma estratégia de infraestrutura, os problemas vão continuar", alerta Amaral.
Com o Brasil dependendo das rodovias para transportar cerca de 60% de sua carga, a alta do diesel, o encarecimento do frete e a falta de caminhoneiros podem continuar pressionando os preços dos alimentos e dificultando o controle da inflação.
Fonte: Folha de S. Paulo