Família do Senador Marcelo Castro explora terreno da União para mineração sem licitação

Empresas ligadas ao senador Marcelo Castro operam há mais de 15 anos em área federal no Piauí sem autorização formal; moradores relatam conflitos e desapropriações forçadas

O senador Marcelo Castro e a mineradora Icaraí, em Buriti dos LopesImagem: Pedro França/Agência Senado e Divulgação

Empresas da família do senador Marcelo Castro (MDB-PI) utilizam irregularmente, desde 2008, um terreno da União no município de Buriti dos Lopes (PI) para mineração de granito, gerando uma receita milionária com a extração de brita para construção civil. A área, pertencente ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) desde sua desapropriação em 1986, foi cedida de maneira irregular para exploração sem que houvesse licitação ou autorização legislativa, como exige a legislação federal.

A Construtora Jurema, de propriedade de Humberto Costa e Castro e João Costa e Castro, irmãos do senador Marcelo Castro, adquiriu os direitos de mineração do local em 2008 de uma empresa que já operava na área desde os anos 1990, também de forma irregular. Em 2018, a Mineradora Icaraí, de Mathias Neto Maia Machado e Castro, filho de Humberto e sobrinho do senador, assumiu a pedreira sem nenhuma regularização do uso do imóvel junto ao governo federal.

Buriti dos Lopes, no PiauíImagem: Arte/UOL


Conflitos com Moradores e Irregularidades

A exploração do local gerou conflitos diretos com a população da região. Em 2022, moradores do povoado Recreio relataram à polícia que funcionários da mineradora haviam derrubado cercas de suas casas e tentado se apropriar dos terrenos à força. Segundo o relato de Heber Ferreira da Silva, um dos moradores afetados, a empresa utilizou tratores para desmarcar propriedades e ocupá-las, alegando que a área já estava incluída no perímetro que estava sendo "regularizado" com o Dnocs.

“Colocaram policial à paisana para ameaçar, gente com revólver na cintura. Foi uma confusão feia. Por fim, fizeram o que deviam ter feito desde o início: compraram os terrenos de alguns moradores. Poderia ter minimizado um monte de dor de cabeça se tivessem negociado antes", afirmou Heber.

Mathias Neto, sobrinho do senador e proprietário da Mineradora Icaraí, responde a uma investigação no Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) pelo crime de esbulho possessório (invasão de terreno ocupado por outra pessoa) em razão das denúncias dos moradores.

Mineradora Icaraí, em Buriti dos Lopes (PI)Imagem: Divulgação

Autorização Sem Licitação e Vínculos Políticos

O Dnocs concedeu autorização para a mineradora operar no local em 2020, mesmo sem licitação ou processo formal para transferência do terreno. A autorização foi assinada por Jorge Saraiva Amorim, então coordenador estadual do Dnocs no Piauí e irmão de Christian Saraiva Amorim, ex-assessor parlamentar do senador Marcelo Castro.

Após deixar o Dnocs, Jorge Amorim passou a trabalhar no gabinete do senador Ciro Nogueira (PP-PI) e atuou como sócio do irmão em uma empresa de consultoria especializada na liberação de emendas parlamentares para prefeituras. Segundo levantamento do jornal O Globo, a empresa dos irmãos fechou 114 contratos com 51 cidades piauienses nos últimos cinco anos, sendo que 28 dessas prefeituras pertencem ao PP de Ciro Nogueira e sete ao MDB de Marcelo Castro.

Questionado sobre a concessão da autorização à mineradora, Jorge Amorim declarou que "todo o procedimento foi realizado com rigor técnico, conforme os fluxos administrativos adotados no órgão, e tendo como base pareceres favoráveis da Procuradoria Federal".

Processo de Regularização e Impacto Econômico

Atualmente, tramita no Dnocs um processo de regularização da ocupação da Mineradora Icaraí. Em 2019, a empresa propôs ao órgão a permuta do terreno onde opera por uma área de mesmo valor em outra localização, proposta que foi analisada pela Procuradoria do Dnocs. O parecer jurídico apontou que a troca só poderia ocorrer caso houvesse autorização legislativa, licitação e avaliação prévia dos imóveis envolvidos.

A Comissão de Fiscalização do projeto Tabuleiros Litorâneos, responsável pela gestão da área, se posicionou contra a permuta, alertando para o risco de novas invasões na região. O relatório da comissão enfatizou que "na área do Dnocs já existem inúmeras invasões (em torno de 98), que jamais poderão ser reintegradas", e sugeriu que a empresa deveria pagar uma indenização ao governo federal por meio de uma Guia de Recolhimento da União (GRU), em vez de permanecer no local.

Desde 2008, a Construtora Jurema e a Mineradora Icaraí extraíram um total de 837 mil metros cúbicos de granito da pedreira. Considerando o valor médio da brita ao longo desse período, estima-se que a receita bruta da empresa ultrapassou R$ 60 milhões.

Área ocupada pela mineradora Icaraí ao lado do povoado Recreio, em Buriti dos LopesImagem: OpenStreetMap

Outro Lado

O senador Marcelo Castro foi procurado pela reportagem, mas optou por não se manifestar sobre o caso.

O Dnocs declarou que a solicitação da Mineradora Icaraí para regularização da área está "em fase de instrução processual e análise da documentação", considerando "pontos críticos, como a permanência no local e as contrapartidas da empresa". O órgão, no entanto, não respondeu sobre os motivos pelos quais autorizou a mineradora a operar na área em 2020 sem licitação ou aval legislativo.

A Mineradora Icaraí afirmou que atua "de forma legal" e que possui "todas as autorizações do Dnocs e licença da Agência Nacional de Mineração (ANM)". A empresa reforçou que a região onde opera inclui "uma comunidade com mais de 100 moradias e equipamentos públicos, como escola e posto de saúde", e que boa parte de seus funcionários são moradores do local.

"Tão logo assumiu as atividades de exploração da área, a empresa protocolou requerimento junto ao Dnocs solicitando a regularização do terreno por meio de permuta. O processo segue em tramitação, com manifestações favoráveis dos setores técnicos do Dnocs e da Procuradoria Federal", declarou a mineradora.

Sobre as denúncias de invasão de terrenos, a empresa afirmou que "houve um único conflito com uma ex-moradora da comunidade", mas que a questão foi "resolvida de forma consensual em janeiro de 2023".

A Construtora Jurema, de propriedade dos irmãos do senador, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Fonte: UOL

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